Está em debate a mudança legal para menos da idade que permitiria o julgamento, condenação e punição de menores de 18 anos segundo as leis vigentes para maiores. A motivação imediata dessa discussão deve-se ao recente seqüestro e assassinato de um casal de adolescentes em São Paulo, crime que envolve um menor e causou especial comoção na opinião pública pelos requintes de frieza e crueldade com que foi cometido. Acreditamos que não é por aí que se deve conduzir um debate desse porte e alcance, que exige isenção e racionalidade. Há fortes argumentos em favor dessa mudança legal e também contra. O ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, é radicalmente contra. O respeitado cardeal-arcebispo dom Aloísio Lorscheider, que se destacou na defesa dos direitos humanos durante a ditadura, pronunciou-se a favor. Lembre-se que, em alguns países desenvolvidos, o menor é tão imputável criminalmente quanto o adulto, desde que tenha atingido o discernimento, o uso da razão, que se dá pelos sete anos. O jurista José Paulo Cavalcanti Filho afirma que o debate sobre a maioridade penal está sendo erroneamente simplificado, reduzido a uma escolha aleatória de idades; e que a fixação legal de idades para a prática de determinados atos leva a resultados inevitavelmente imprecisos, obedece a verdades apenas estatísticas. Damos um exemplo: um garoto (ou garota) de 15 anos e até menos pode ser um excelente motorista, com bons reflexos, conhecedor e respeitador das leis do trânsito; só poderá, contudo, se habilitar legalmente a dirigir quando completar 18 anos; já um adulto de 30 anos legalmente habilitado pode ser um mau motorista. O título do artigo a que nos referimos resume os questionamentos do autor: ‘Idade certa para matar’. Para ele, a proposta correta seria a de preservar a maioridade atual de 18 anos, permitindo-se, porém, que respondam por crimes aqueles que demonstrarem já ter plena consciência do caráter criminoso de seus atos. “É assim, basicamente, no direito anglo-saxão. E também em sistemas jurídicos que nos são próximos”, escreve ele. E cita a legislação italiana, que determina que responda por seus atos “quem tenha a capacidade de entender e querer”, plenamente se já tiver 18 anos, ou com penas reduzidas em um terço no máximo, se tiver entre 14 e 18 anos. Há poucos dias, o governador Geraldo Ackmin (SP) teceu loas à Febem de seu Estado, garantindo que essa fundação, dedicada, teoricamente, à ressocialização dos menores infratores, cumpre bem o seu papel. Ele propõe um “endurecimento” do regime da Febem para envolvidos em crimes mais graves. Ora, não se vê a recuperação desses menores. O que temos são notícias de rebeliões e mortes nessas instituições, que, geralmente, não contam com funcionários habilitados a lidar com menores, têm empregados que buscam oportunidade para dar vazão a instintos sádicos, não oferecem ensino profissionalizante e, freqüentemente, são escolas de graduação, e até pós-graduação, no crime. Enfim, a ressocialização fica no texto da lei. No bojo do debate sobre uma maior amplitude do que José Paulo Cavalcanti chama ironicamente de “idade certa para matar”, tem que se incluir uma profunda mudança no modo como funcionam instituições como a Febem. Uma mãe de interno da Febem de São Paulo, entrevistada, disse que seu filho tornou-se dependente de cocaína lá dentro e, depois que saiu, foi morto quando assaltava para ‘fazer acertos’ com policiais. De todo modo, é inaceitável o crime, seja praticado por maior de 18 anos ou por menor. E o menor assassino do caso da periferia de São Paulo sabia muito bem o que estava fazendo.
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